Por Rodrigo Santos

Hoje eu acordei! Me senti bem melhor do que eu sentia ao dormir, na verdade não sinto mais nada...
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É estranho, as coisas por aqui não são tão diferentes assim, as pessoas, se é que posso chamá-las assim agora, trabalham, estudam, têm uma vida, embora não faça sentido algum dizer isso. Mas na primeira aula já me ensinaram sobre isso, sentido algum faria se realmente fosse um fim, embora eu nunca acreditasse nisso, e vocês sabem que não, vó Neusa me fez acreditar. Pois é, depois desse tempo todo eu a encontrei aqui, isso fez valer a pena o meu fim, ou melhor, o meu começo!
Mas, não estou aqui pra falar como é a vida aqui em cima, eles não me dariam essa oportunidade para falar como as coisas acontecem por aqui, tem muitos livros aí que falam muito bem como é, podem acreditar... Me sinto honrado em ter essa oportunidade, minha vinda pra cá faz muito pouco tempo, tantos outros já estão numa linha evolutiva maior que a minha, não entendi por que eu. Vó Neusa disse que eu era muito mais do que todos imaginavam, eu mesmo não me dava valor, isso eu tenho que concordar. Vózinha ainda disse que eu poderia ter ganho uma chance se tive-se ouvido a Sandra naquela noite, mas não, preferi dar uma de machão e fui assim mesmo, mesmo sentindo que a mana tinha razão. Prefiro acreditar que tudo está escrito, que nada naquela noite seria diferente.
Mana, sei que se arrepende todo dia de não ter me segurado naquela noite, mas tinha que ser, vó Neusa disse que se eu não fosse, o pai iria no meu lugar e certamente aconteceria com ele. Mas o carma do pai é pior que o meu, ele não teria a chance de escrever pra gente depois de tão pouco tempo assim. O pai sempre foi muito cético, até mais que eu. Acho que se ele ler isso antes de vocês, rasgará tudo e vai fingir que nada aconteceu. Talvez ajude dizer que todo carnaval em Saquarema ele fingia estar com sono as 8h pra mãe deitar com ele e eu e o pessoal sair. Só eu sabia que ele não estava com sono, se realmente tive-se, Martinha não estaria aí né? rsrs
Também posso dizer que o pai colocava coca-cola escondido na bolsa da escola, e que quando eu tinha uns 12 anos ele dizia pra mãe que iria me por pra dormir e ficava jogando street fighter, enquanto ela arrumava a cozinha.
Pai, eu sei que você não acredita em nada disso, sei da sua criação, sei de tudo, mas vou te mostrar que sou eu, nem que seja em sonho ou até mesmo “pessoalmente” se os evoluídos daqui deixarem. A Martinha já me viu 2 vezes, vó Neusa já me levou aí pra ver a mãe...
Mãe, dona Sisi, Sileide Maria, como eu gostava de chamar a senhora, seu filho está bem aqui... Vó Neusa está cuidado bem de mim, ela pede pra você doar as pinturas dela, segundo ela, irão ser mais úteis num orfanato no que no porão do sítio. Eu particularmente continuo achando aquelas pinturas nada a ver, mas se ela diz eu acredito.
Mãe, de um beijo em todos aí, no pai, na Sandra, na Martinha. Um evoluído aqui me disse que eu voltarei como filho da Martinha, já pensou dona Sisi, eu seu neto? Diz pro Tadeu que já encontrei com o Guilherme também, ele demorou um pouco a aceitar a idéia, mas hoje a mais calmo...
Liga pro Souza e diz que ele pode pegar minha coleção dos clássicos. Nós tínhamos um trato, se ele chega-se aqui na minha frente, eu ficaria com os álbuns dele, como eu vim na frente, perdi minha coleção de clássicos, mas trato é trato né?!
Bem, já escrevi muito por hoje, vó Neusa disse que isso cansa o moço que ta aqui comigo, mas bem que eu gostei disso. Quem sabe eu volto a escrever? Quem sabe eu escreva um livro? Amo todos que ficaram, não chorem por mim, estou muito bem aqui, estou mais perto do que vocês imaginam e segundo vó Neusa, voltarei em breve, ela eu acho que não, ela disse que ainda tem que esperar o pai, que ele vai dar muito trabalho aqui, mais que ele ainda vai conhecer o netinho dele.... rsrs
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Ah, já ia me esquecendo... Mana, na última gaveta do meu armário tem um envelope com uma carta e uma chave, entregue na mão da Bia, ela também sofre muito por minha causa, aquela carta eu escrevi pra ela 2 dias antes da noite que me trouxe até aqui, diga a ela que ela foi a garota que eu mais amei e assim que eu tiver outra oportunidade escreverei pra ela também, por enquanto ela fica com a carta que escrevi em vida.
Um beijo no coração de todos vocês! E acreditem, o que morre é a carne o espírito continua vivo aqui em cima e na memória de vocês aí em baixo.
Júlio César Campelo Braga